A revolta no trabalho moderno: saiba o que é “resenteeism” e demissão silenciosa

A revolta com o trabalho: saiba o que é demissão silenciosa e “resenteeism”

Muitas vezes, trabalhadores passam por momentos extremos de angústia e revolta ao serem atingidos por uma onda de demissões em sua empresa. E colocam isso para fora sem medir palavras. Essa sensação agora tem um novo nome: “resenteeism”, ou ressentimento, na tradução livre.

Nesta reportagem, o Giz Brasil vai dissecar esse fenômeno comportamental típico do ambiente de trabalho dos últimos tempos. Acompanhe:

“Por que eles acham que é apropriado ferrar com seus funcionários assim?” e “atualmente é um péssimo lugar para trabalhar” estão entre as comentários vazados depois do anúncio de demissão em massa da Microsoft, segundo reportagem do site Insider

Nas mensagens, funcionários insatisfeitos questionam executivos diretamente durante reuniões, compartilham queixas em painéis internos ou fazem perguntas anônimas – sempre com um tom extremamente negativo. 

O comportamento não é único dos funcionários da Microsoft. Na verdade, se tornou tão comum na última grande leva de demissões em massa das big techs que posteriormente ganhou esse nome de “resenteeism”.

O que é resenteeism

Diferentemente da demissão silenciosa, em que os funcionários simplesmente faziam o mínimo sem envolver qualquer engajamento com a empresa, o resenteeism é uma expressão mais contundente da insegurança ou infelicidade no trabalho. 

Assim, os empregados fazem questão de expressar a insatisfação e não escondem a total falta de ânimo com a função. Eles mostram a todo o tempo que só continuam ali por falta de opções melhores ou por incertezas econômicas. 

O problema é que esse é um efeito difícil de conter: se os gestores não identificarem a questão logo no início, o ressentimento se espalha para os membros da equipe. Dessa forma, não demora muito para sabotar a produtividade e o engajamento do grupo. 

Resultado do esgotamento 

Tanto a demissão silenciosa quanto o ressentimento podem ser lidos como respostas óbvias ao esgotamento e à insegurança no mercado de trabalho. O termo ficou mais popular depois das demissões em massa no setor de tecnologia, por exemplo. Desde janeiro, foram cerca de 200 mil funcionários desligados em layoffs. 

“Acontece especialmente com pessoas que não se sentem valorizadas, que não enxergam o reconhecimento devido na equipe, que enfrentam dúvida, instabilidade financeira”, explica Isabela Corrêa, CEO da edtech B.NOUS, que trabalha com habilidades emocionais para empresas e funcionários, ao Giz Brasil.

“Aí a pessoa vai ficando angustiada, pouco produtiva e pode ser até um caminho para o burnout, depressão. Aquela sensação de ninguém me ajuda, ninguém olha para mim, sensação de impotência, de que ninguém vê o trabalho”.

Sinais de descontentamento

Isabel Corrêa cita o “rádio-corredor” como exemplo de um sinal claro de que o clima da empresa está contaminado com o resenteeism. Quando a movimentação extraoficial está muito alta e ali circulam desde informações estratégicas até boatos de demissão, é indício de que algo não vai bem. 

“No resenteeism, quando uma pessoa está incomodada ela manifesta isso ao seu redor”, pontuou Corrêa. “Chega atrasado, falta a reuniões sem dar satisfação, dá respostas cruzadas ou secas aos gestores. No home office, pode se mostrar mais calada, nunca opina sobre nada, começa a atrasar sempre”.

Por outro lado, os trabalhadores sempre sabem quando um emprego traz qualidade de vida – ou não. Isso inclui sentirem que recebem uma remuneração justa, ter segurança, preservação da saúde e também desenvolvimento de suas habilidades, tanto profissionais quanto pessoais. 

“Quando o funcionário reflete e chega à conclusão de que não tem qualidade de vida no trabalho, isso é desmotivador. Perde-se o sentido de estar ali, o que alimenta o ressentimento”, apontou Diego Costa Mendes, pesquisador das relações de trabalho e professor da UFV (Universidade Federal de Viçosa), ao Giz Brasil

Consequências 

Segundo Mendes, é preciso olhar para a qualidade de vida no trabalho não só porque as pessoas precisam, mas porque a falta disso pode trazer prejuízos para as organizações. 

“Se um funcionário não encontra sentido na organização e sai dali, a empresa perde bons trabalhadores. Se não foi um movimento isolado, significa que há problemas”, explicou o pesquisador, que publicou estudos recentes sobre demissão voluntária por falta de qualidade de vida no trabalho. 

Entretanto, no caso dos layoffs em empresas de tecnologia, a preocupação atinge outro nível. Ou seja, não é só mais a insatisfação com o trabalho, mas a sensação de perda de pertencimento e insegurança do próprio emprego. 

A consequência imediata pode ser a perda da produtividade – mas não só isso. Isso porque a produtividade é um indicador de curto prazo nas dinâmicas de trabalho. “Eu posso ser um excelente desenvolvedor, mas aí tem um layoff e isso cria um ressentimento”, exemplifica Mendes. 

“Ou seja, eu continuo sendo produtivo, mas já começo a vislumbrar uma forma de sair da empresa. Isso tem impactos na minha criatividade e na inovação que posso entregar. Se as pessoas não estão tranquilas, satisfeitas ou seguras, certamente não darão tudo o que poderiam dar a médio e longo prazo”, explicou o pesquisador. 

É possível evitar o resenteeism? 

Tanto Corrêa quanto Mendes acreditam que, sim, é possível evitar o resenteeism. Porém, se não evitar, pelo menos minimizar possíveis danos a longo prazo. 

Para Isabela, o segredo está no gestor identificar os primeiros sinais logo no início e, a partir disso, estabelecer um canal de comunicação com o funcionário. “Se o ressentimento estiver acontecendo por questões pessoais do funcionário, a empresa pode se oferecer para ajudar, sugerir uma solução ou até aportar trabalho psicológico, por exemplo”, disse ela. 

Agora, se o ressentimento é com a empresa, o trabalho fica “mais fácil”, comentou. “É uma questão que está ali dentro, que é de controle da empresa. Tudo pode ser dialogado, tudo pode virar consenso. A maior parte dos problemas se solucionam com uma boa comunicação e uma boa escuta”. 

Uma forma de prevenir esse comportamento é criar conexões, mesmo em home office, que minimizem a distância entre as pessoas. “Uma reunião de 15 minutos ou uma conversa de corredor já abre um canal de comunicação que vai minimizar a chance de alguém não se sentir escutado ou valorizado”, explicou Corrêa. 

Em casos de layoffs, reduzir o ressentimento precisa ser um objetivo da empresa para os funcionários que não foram demitidos – e que, juntos, podem criar um efeito manada de descontentamento. 

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