Estudo do DNA do mosquito da dengue ajuda a entender como a expressão dos genes é regulada

Estudo do DNA do mosquito da dengue ajuda a entender como a expressão dos genes é regulada

Texto: Julia Moióli | Agência FAPESP

Os cromossomos do mosquito Aedes aegypti, vetor de doenças como chikungunya, dengue, febre amarela e zika, se organizam como “cristais líquidos”, ou seja, têm ao mesmo tempo características de cristal e aspecto fluido. Essa organização da cromatina (complexo de DNA e proteínas presente no núcleo celular) ainda não foi observada em outro ser vivo.

A descoberta, divulgada na revista Nature Communications, pode dar pistas sobre como a expressão gênica é regulada. O estudo foi desenvolvido por grupos do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e do Centro de Física Biológica Teórica da Universidade Rice (Estados Unidos).

Há cerca de uma década, pesquisadores da universidade norte-americana se dedicam ao estudo do DNA por meio de suas formas tridimensionais. O objetivo é entender como essas moléculas podem estar envolvidas nas funções do genoma, particularmente na expressão dos genes. Foi assim que, em 2021, descobriu-se que os cromossomos apresentam dois padrões estruturais no estágio do ciclo de vida celular chamado de interfase, ou seja, quando suas células não estão se dividindo: nas leveduras e em grande parte das plantas, a forma é de grampo de cabelo, com os centrômeros (região mais condensada e, normalmente, localizada no centro dos cromossomos) juntos, dobrados e polarizados com os telômeros (regiões formadas por proteínas e DNA localizadas nas extremidades cromossômicas); enquanto nos humanos e em animais como as galinhas os cromossomos se separam, formando territórios aproximadamente esféricos.

Por meio de modelagem computacional de cromossomos, pesquisadores investigaram a arquitetura genômica do mosquito Aedes aegypti e descobriram uma organização diferente da encontrada na maioria dos seres vivos. Trabalho foi publicado na Nature Communications
Por meio de modelagem computacional de cromossomos, pesquisadores investigaram a arquitetura genômica do mosquito Aedes aegypti e descobriram uma organização diferente da encontrada na maioria dos seres vivos. Trabalho foi publicado na Nature Communications (imagem: acervo dos pesquisadores)

A formação da arquitetura genômica, tanto no primeiro tipo (grampo de cabelo) quanto no segundo tipo (territórios quase esféricos), está relacionada com a competição entre dois mecanismos. O primeiro diz respeito a interações de separação de fase entre tipos de cromatina (processo análogo à separação entre óleo e água). O segundo é associado às interações que levam à compactação da cadeia cromossomal (condensação).

De acordo com o estudo atual, apoiado pela FAPESP (projetos 16/13998-8 e 17/09662-7), o genoma do mosquito da dengue, que tem aproximadamente metade do tamanho do genoma humano, possui características das duas categorias. Os centrômeros se condensam em um dos polos do núcleo, e os telômeros, no outro, mas, ao mesmo tempo, os cromossomos continuam separados. Para acomodar esses dois processos, os cromossomos agora não são mais esféricos, mas distorcidos e bem mais alongados.

“É um caso atípico que, na verdade, combina as duas estratégias”, afirma Vinícius de Godoi Contessoto, pesquisador no Centro de Física Biológica Teórica da Universidade Rice e primeiro autor do estudo. “Essa informação pode ajudar a entender melhor funções da dinâmica e organização da cromatina na regulação gênica.”

“Como confirmamos em um estudo de 2020, a expressão dos genes não é controlada simplesmente por processos químicos, como a ligação de fatores de transcrição; a estrutura tridimensional do genoma e sua dinâmica também fazem parte desse processo regulatório”, explica José N. Onuchic, diretor do Centro de Física Biológica Teórica da Universidade Rice e coautor do estudo.

“O mosquito é apenas um pequeno pedaço explorado de uma ‘imagem’ mais complexa”, complementa Contessoto. “A ideia agora é que, com as ferramentas que desenvolvemos e esse entendimento mais amplo da distinção entre humanos e outros organismos, possamos expandir o estudo para inúmeros outros sistemas.”

Interações da cromatina

Conhecer a estrutura dos cromossomos do Aedes aegypti só foi possível graças a uma técnica de análise genômica conhecida como Hi-C, que detecta as interações da cromatina e forma um mapa de contatos que mostra quais partes do DNA estão próximas espacialmente. Esse método identifica a frequência desses contatos por crosslinks (ligações cruzadas entre as cadeias de DNA).

“Basicamente, ‘quebra-se’ o cromossomo inteiro e observa-se quais partes estão ligadas via crosslink para realizar um sequenciamento em quantidade e chegar a esse mapa que mostra quais partes do cromossomo se aproximam no espaço”, explica Onuchic. “Esses experimentos não determinam a estrutura tridimensional do cromossomo, mas geram um mapa em duas dimensões dos contatos.”

Com esse mapa, a equipe envolvida no trabalho pôde, então, calcular o conjunto correspondente de estruturas cromossômicas em 3D – usando um modelo denominado Mínimo de Cromatina (MiChroM), já empregado com o mesmo objetivo em outros organismos – e realizar a simulação física que chegou ao formato do cromossomo do mosquito. Métodos teóricos desenvolvidos na Universidade Rice são utilizados para determinar o conjunto de estruturas em três dimensões consistentes com esse mapa.

O artigo Interphase chromosomes of the Aedes aegypti mosquito are liquid crystalline and can sense mechanical cues pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41467-023-35909-2.

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